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Cabo Jota Boró

Servia eu no 71º Batalhão de Infantaria Motorizado em Garanhuns-PE. Era o ano de 1987. Comando do famoso coronel Malta, homem bastante temido por todos os subordinados. Ele havia assumido o comando da Unidade naquele ano.  Nas primeiras formaturas falou o coronel Malta à tropa, em alto e bom som, que ele não era do tipo de comandante que pintava meio fio para general. Era costume na época dar um trato nas guias, melhorar a faxina, enfim, deixar a casa nas melhores condições para receber o nosso chefe imediato, General comandante da 10ª Brigada de Infantaria Motorizada, Unidade do Exército sediada em em Recife-PE. Geralmente acontecia logo após o período básico de formação dos recrutas.
Quando foi anunciada a visita do general, o comandante do batalhão determinou que fosse feita a pintura completa da Unidade. Foi um corre-corre adoidado.  Depois entendemos o que o novo comandante quis dizer que não pintaria meio fio. Realmente ele não pintava só meio fio. Pintou o batalhão inteiro. O pessoal que serviu naquela época e no comando desse nobre coronel sabe muito bem o que estou tentando dizer.
Os comandantes de Subunidade ficaram loucos. Receberam as ordens do comandante da Unidade e teriam que cumprí-las a qualquer custo e em espaço de tempo muito pequeno. A sargentada se desdobrava aos extremos.
Na segunda companhia, havia uma figura muito conhecida que em matéria de faxina na Subunidade ou nas Guardas não havia outro igual. Era o Cabo J. da Silva, vulgo “Jota Boró”. Auxiliava o encarregado de material da época,  o então Sargento Honório.  O encarregado de material teria obrigatoriamente buscar socorro em Jota Boró para cumprir a determinação do coronel Malta. Ele seria a salvação da companhia. Os encarregados de material das outras subunidades desejavam naquele momento ter um Jota Boró como seu auxiliar. Somente a 2ª Cia tinha esse privilégio.
Mas, como nada é perfeito, Jota Boró, descendente de índio, no auge dos seus vinte e poucos anos de carreira, fumava cachimbo e bebia de vez em quando. Não era muito dado a leitura. Muito provavelmente sabia apenas assinar o nome. Era praxe naquela época a existência nas Unidades desses nobres remanescentes aculturados. Alguns deles até aprendiam alguma coisa nas Escolas Regimentais; outros não demonstravam a menor habilidade na caneta de tinta, mas Jota Boró era muito bom na caneta utilizada para a limpeza. Para quem não sabe, caneta de limpeza  é o sinônimo castrense de vassoura.  
Chegado o dia da visita, fomos todos, ou quase todos, para a formatura geral do Batalhão.
O comando da brigada de Recife aproveitaria a inspeção do período básico para verificar não somente os recrutas, mas a todos os integrantes do batalhão que deveriam portar um memento no bolso contendo todas as suas atribuições e o número do seu armamento.
Iniciada a formatura o general nos deixou em forma com alguns militares do seu comando para as averiguações pessoais e partiu com outros oficiais, acompanhado do comandante do 71º BIMtz  e do oficial de dia para verificação das instalações do Batalhão. Iniciou-se a inspeção nas seções da praça do pavilhão de comando. Terminada essa fase passou pelo rancho e, após ultrapassar uma rua interna, chegaram nas Subunidades. De cara estava a 2ª Companhia. Impecável como sempre. O general deu uma olhada de passagem e já alargava passada rumo a 1ª Companhia quando alguém da sua equipe sentiu um forte cheiro de fumaça. O Coronel do Estado-Maior da Brigada, aproximou-se do local de onde vinha o forte cheiro de fumaça. Encontrou um militar sentado, com as pernas cruzadas, em um tamborete, na porta de entrada dos banheiros dos cabos e soldados. Apenas de calção e tênis sem meia o Cabo Jota Boró tirava a maior baforada no seu cachimbo.  
O Coronel lhe dirige a palavra em tom altivo e pergunta:
- O que é que você está fazendo aí, militar?
Jota Boró, desconhecendo totalmente aquela autoridade responde na maior naturalidade possível:
- Mandaram eu me esconder aqui por causa do "diabo de um general".  
Aos nobres militares que tiveram o privilégio de servir naquela época, um grande e fraternal abraço, especialmente ao Cabo J. da Silva, o nosso querido Jota Boró.
   

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