Em 2 de novembro,
comemora-se o dia de finados.
Percebo claramente a contribuição
dada pelos antigos cristãos para a formação das novas palavras de um
determinado idioma. No nosso caso, o velho Português.
Neologismo lexicografado já é
indício de que a palavra pode e deve ser inserida nos dicionários. Isso prova
que nova palavra foi aceita.
Fiz um arrodeio para dizer que a
palavra finados vem de fim. Fim mesmo, visto que os cristãos portugueses
acreditavam em Deus até o momento da morte. Depois disso.....bom, o resto é
dúvida. O mais provável é que seja realmente o fim.
Em se tratando do dia de finados lembrei-me de Balsas. E nessas lembranças me vieram à cabeça os mortos que deixei
por lá, enterrados no Cemitério da avenida Catulo, conhecida antigamente pelo
apelido de Praça dos Três “C”, visto concentrar naquela área, em convivência
pacífica, o cabaré, a cadeia e o cemitério.
Diziam que o camarada aprontava
no cabaré e logo estaria preso pelo Soldado Ribamar
Quiquiqui. Depois morria de fome por lá e seria enterrado no cemitério.
Mas, deixemos pra lá esse
assunto violento, por enquanto.
Quero me referir agora a um certo
fato do qual me lembrei ao refletir sobre o dia de finados: a morte de um cidadão
de Alto Parnaíba que veio a para Balsas para tratamento de saúde, mas faleceu no Hospital São José.
A esposa, sofrendo muito naquele
momento, teria que levar o corpo do marido para ser sepultado em Alto Parnaíba. Para isso, fretou o jeep boiadeiro (jeep de quatro portas) do Luis Sandes. Como já era noite, Luis Sandes lembrou-se do velho carteiro que fazia a
ligação dos Correios de Balsas a Alto Parnaíba, passando necessariamente por Brejo da Porta
(hoje Tasso Fragoso), pois, com certeza, o carteiro balsense faria esse trajeto por aqueles dias
e Luis Sandes poderia contar com a companhia desse Paulo Bregaro em missão tão piedosa. Já
passava das oito da noite quando Luis Sandes se dirigiu à casa do Amazilo, o velho carteiro. Convite feito e logo aceito sem pestanejar. Para Amazilo seria mais fácil sair logo à noite de carro do que enfrentar a
distancia de burro ou de uma possível carona. Melhor acompanhar o cortejo, pensou ele.
Um hábito muito presente no
Amazilo era o de tomar uma proncha. Isso mesmo, gostava de meter uma proncha pra dentro,
ou seja, gostava da bebida alcoólica, misturada com uma vereda da boa.
Sem ela como companheira, Amazilo não enfrentaria com tamanho sacrifício os desafios.
O carteiro apanhou a correspondência no prédio dos Correios e, logo após, rumaram para o Alto Parnaíba Luis Sandes, Amazilo, a viúva chorosa e o defunto.
A estrada vicinal era muito ruim.
Noite adentro, motor do jeep
roncando, Amazilo bebendo e falando, viúva chorando e Luis Sandes dirigindo e
ouvindo tudo, mas também participava tomando algumas doses.
Lá pelas tantas, já incomodados
pelos murmúrios da viúva, Amazilo convenceu a pobre mulher a tomar um gole da “maranhense”
a fim de se acalmar.
A viuvinha sentiu-se bem melhor
com a sensação que a proncha lhe proporcionara. Começou inclusive a interferir
na conversa entre Luis Sandes e Amazilo.
Ao chegarem a Brejo da Porta, hoje Tasso Fragoso, já
noite adentro, encontraram a cidadezinha às escuras, como era o velho Maranhão largado e apaixonado pelo Sarney. Pararam no posto de abastecimento e borracharia da cidade,
o único, por sinal. Luis Sandes faria uma inspeção no veículo antes de
continuar. Nessa hora chega o borracheiro e pergunta a Luis para onde estão
indo. Luis logo responde que está indo até o Alto Parnaíba com a missão de levar um defunto.
O borracheiro, homem curioso, fez
a volta no veículo para certificar-se da novidade. Ao reencontrar-se com o Luis Sandes,
pergunta-lhe:
- Cadê o defunto?
Luis Sandes responde:
- Ta aí na traseira.
O borracheiro continua:
- Aqui mesmo não. Já acendi a
lanterna e foquei até debaixo do jeep e não vi defunto algum.
Foi um desespero só. Lembrara-se Luís Sandes da existência de uma ladeira muito íngreme antes de chegar a Brejo da Porta. Espantados com a ausência de tão ilustre passageiro, retornaram às
pressas ao provável local que o defunto poderia ser encontrado. A intuição de Luis Sandes estava correta, pois logo encontraram no topo da ladeira o caixão já aberto e sem o homem morto dentro. O defunto deu um pouco de trabalho para ser encontrado, pois rolou até o
pé da ladeira. Talvez ainda sentisse o finado esperança de escapar daquele vexame.
Recolocado o defunto no esquife, embarcaram-no novamente no veículo, porém, desta vez, por orientação muito lúcida do velho carteiro Amazilo, obrigaram a viúva a seguir escanchada no caixão, a fim de fazer o peso necessário para firmar a nobre mercadoria e não acontecer um novo imprevisto.
Ao chegarem a Alto Parnaíba, Amazilo, por muito ter se preocupado com a situação do defunto, esqueceu-se que a carga que levara para os Correios também ficou para trás, provavelmente na ladeira do Brejo da Porta.
A historia é feita de fatos com homens, mulheres, cachaça e
defuntos.
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