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A Sabedoria da Minha Avó

            Na minha terra as questões são resolvidas de uma forma bem simples, como são as pessoas de lá, porém, não sem antes fazer com que o camarada possa tirar delas as suas próprias conclusões.

         E eu digo isso por um pequeno motivo: certa vez, em minha casa, na horinha do almoço, todos nós sentados nos bancos de madeira que ladeavam aquela mesa comprida, meu pai Antonio Carlos, minha mãe Luzia Bucar, minha avó Esmeralda Bucar, meus irmãos Kaaled, Fernanda, Haroldo, Lúcio e eu, esperando para que a comida fosse exposta à mesa em travessas enormes. O calor era tão grande que os homens geralmente sentavam à mesa sem camisa, vestindo apenas calção e calçados com chinelo de dedo.
         Pelo menos eu já estava com bastante fome e, só pra lembrar, a comida do povo do sul do Maranhão é baseado principalmente no arroz, bastante arroz; a fava ou o feijãozinho vermelho da terra faz parte das iguarias, acompanhados da carne do boi, porco, bode, carneiro ou mesmo uma caça, geralmente temperadas com cheiro-verde, pimenta de cheiro e o indispensável molho de pimenta malagueta. A tudo isso junte-se a velha e conhecida farinha seca ou de puba. Acontecia algumas vezes sermos surpreendidos com alguma novidade. Nesse bendito dia a cozinheira da casa, Conceição, colocou a bacia de arroz – Maranhense não vive sem arroz, o feijão e logo após a carne. Só que dessa vez era língua de boi cozida.
Meu irmão, Kaaled, como era de costume, foi logo avisando:
- Eu não como isso. O que é isso?
Minha mãe, com toda aquela paciência, responde:
- É língua cozida, meu filho!
Nesse instante meu irmão, talvez com muito esforço, pensou e lançou a questão:
- A língua que sai da boca da vaca?
Meu pai que já estava tranqüilamente sentado no banco acrescentou:
- Donde mais seria?
Com cara de quem não gostou e fazendo gesto de quem estava com nojo, meu irmão resolveu tomar uma decisão:
- Eu não quero língua. Eu quero um ovo cozido. Conceição, faz um pra mim.
         Nisso, minha avó Esmeralda, com toda a sabedoria de que era possuidora, mesmo sem saber um “A”, concluiu:
- Menino, se tu decidir o que comer pelo local que esse ele sai é melhor tu comer a língua!

         Meu irmão até hoje não come ovo. Adora uma língua, de preferência cozida.

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