Pedro Doguinha era um daqueles camaradas que só em Balsas aparece.
Certa vez estava na beira do rio Balsas, Nazareno da dona Sebastiana, Gilson Bucar, meu primo, Lourival do Olavo e outros amigos, bem no pé da ponte onde Pedro Doguinha tinha um bar. Nesse tempo a gente descia a nado do Razião e ficávamos curtindo um pouco de música, olhando as meninas bonitas e vendo o movimento das pessoas que passavam do centro da cidade de Balsas para o bairro da Trizidela. Era período das férias de Julho e justamente nessa época os filhos de Balsas que estudavam fora retornavam à cidade para curtirem as férias. Era um período onde tudo fervilhava. Os hormônios de nós jovens, admirados das garotas estudantes a se exibirem com seus biquínis na beira do rio. Realmente era um período de ouro para nós que não tínhamos para onde ir. Alguns de nós não achavam bom porque as meninas que ficavam na cidade não queriam mais saber dos nativos. Só queriam namorar os forasteiros. Pelo menos o pessoal da minha turma não reclamara. Todos tímidos, não ganhávamos ninguém mesmo. Pelo menos tínhamos algo novo para ver.
O bar do Pedro Doguinha era um lugar de encontro do pessoal que se aventurava na música. Nesse dia curtíamos o violão bem tocado de Waltinho Queiroz. Tocava violão como ninguém. Eu, aprendendo os primeiros acordes no instrumento, não perdia a oportunidade de admirar e aprender ouvindo e vendo o Waltinho tocar. Lotava de gente de fora que apreciava o lugar e alguns deles se aventuravam em cantar. Ficava eu só na observação. Observava tudo. Pedro Doguinha servindo cerveja ao pessoal e trazendo para acompanhar a bebedeira piazinho cabeça-gorda frito na hora. Para quem não sabe, piau cabeça-gorda é um típico peixe do rio balsas e da melhor qualidade. Quem bebe sabe. Pedro Doguinha não parava um só minuto. Servia todo mundo.
Pedro Doguinha era um sujeito engraçado de se ver. Falava apressado, gago, camisa de botão quase sempre surrada e aberta e, como me lembrou Raimundo Floriano, as unhas sempre sujas e muito cabelo no nariz. Um eterno pano que ficava no ombro esquerdo do Pedro para as eventualidades de limpeza. Quase sempre era o mesmo pano e por vezes já bastante sujo. Com esse dito pano Pedro limpava prato, limpava cadeira, limpava mesa e ainda da limpar as mãos e se brincasse enxugava também o suor. Era um pano de mil e uma utilidades. Vale lembrar que o balsense tem um sotaque um pouco diferente do resto do Maranhão, portanto diria mili e uma utilidade.
Lá pelas tantas o Walber Queiroz, irmão do Waltinho, recebeu um prato para colocar a sua porção de peixe, pois a iguaria vinha em travessa e os comensais colocavam pedaço do peixe em um prato, juntando farinha e muitas vezes pimenta. Walber reclamou que o prato estava sujo.
- Pedro, troca esse prato para mim. O bicho tá sujo.
Nisso Pedro Doguinha retira o velho e surrado pano do ombro e passa no dito prato. Walber vendo a situação do pano disse mais uma vez:
- Pedro, com esse pano não, Pedro! Eu quero um prato limpo.
Pedro Doguinha, sem muitos arrodeios, pega o prato na mão esquerda, sopra e devolve o prato limpo para o Walber deliciar-se com o piau.
Quer saber outra do Pedro Doguinha?
Pois bem! Pedro, antes de ser proprietário do bar – bar do Pedro Doguinha – trabalhava com o coronel Fonseca, antigo morador do lugar (aqueles coronéis de patente comprada). Coronel Fonseca disse certa vez ao Pedro Doguinha que fizesse a limpeza do poço que ficava nos fundos do quintal da casa, já bem próximo do rio Balsas. Pedro saiu de cabisbaixo e resmungando disse ao coronel que não iria fazer a limpeza do poço. Coronel Fonseca quis saber o motivo:
- Mas… Pedro, porque você não vai fazer a limpeza do poço?
Pedro Doguinha no mesmo instante responde:
- Porque lá no poço tem arraia.
Coronel Fonseca, não satisfeito com a resposta de Pedro, pergunta:
- Pedro, quem foi que colocou arraia no fundo do meu poço?
- Pedro Doguinha, gaguejando, responde na bucha:
- Foi quem botou no rio.
Raimundo Floriano me confidenciou que certa vez perguntou ao Pedro Doguinha sobre seus dois cachorros. Pedro de forma incisiva respondeu: - Um morreu.
- E o outro?
- Mataram.
São casos que aconteceram na minha querida Balsas e que, de vez em quando, solto um pouquinho.
Meus sinceros agradecimentos a Raimundo Floriano pela colaboração espontânea.
Comentários
Duas características do Pedro Doguinha, nuito comentadas, mas sempre aceitas pelos fregueses: as unhas sujíssimas e os cabelos saindo pelas ventas.
Uma vez, perguntaram-lhe:
– Pedro, cadê teus cachorros?
E ele respondeu:
– Um, mataram; e o outro, morreu!